10.12.06

na rabeira da cidade

estava longe de casa. a bola amarela rolava na sua frente. chutava aquele passatempo, como quem tocava a vida em frente. bem na frente. na mão direita, por baixo da camiseta pólo amarela, surrada, provavelmente doada por alma caridosa, leandro segurava um saquinho. aspirava de vez em quando. olhando para os lados.

tinha 12 anos e queria chegar na praça da sé, mas logo mudou o destino para a praça da árvore. não sabia ao certo o que queria. estava confuso. provavelmente entorpecido pelas sensações causadas pela mais acalentadora das drogas entre os meninos de rua. mas disse que não morava na rua. mas não sabia também o que iria fazer na praça da árvore.

escondeu o saquinho dentro da camiseta. em seu ventre. entrou no ônibus que levava ao centro, e também à praça da árvore. a velhinha, ingênua, acostumada com um bairro nobre, ainda o alertou sobre sua bola, esquecida na calçada. deu de ombros. a bola amarela foi apenas sua acompanhante durante a madrugada. chutando, chutando... entre aspiradas.

passou por baixo da catraca sem pedir ao cobrador, que num lampejo nem pensou no dinheiro do patrão. era domingão. o moleque precisava dar uma volta. mesmo que sem destino. dentro do ônibus, pediu discretamente um trocado a uma senhora que subiu três pontos na frente. ela disse que não tinha. estava indo para a ingreja. mas e o dizimo?

a igreja precisa muito mais do dizimo que aquele menino. afinal, o próximo bazar para angariar fundos para a paróquia estava próximo. muito mais importante que aplacar a fome daquele garoto, que perdeu a 'carona' no busão de volta para casa. apenas o irmão, alex, "conseguiu pegar rabeira". leandro acabou caindo.

já estava no centro. rápido assim. bem mais rápido que imaginava. disse que iria para a sé "arrumar um dinheiro". idéia louca. domingão não é dia de pedir dinheiro na sé. menos movimento, talvez. um saco de cola custava 5 reais. mentiu. concordou que era dinheiro demais e diminuiu para R$ 1,00. "uma bolona assim, ó", fez com a mão.

estava sonado. cheirou dois sacos na noite anterior. ainda confuso. contou que gostava da cola pela sensação. era "quase um viciado", porque quando estava em casa sentia falta, às vezes. eram prazerosas as tais visões. falou também que quando cheirava, olhava para as pessoas e elas derretiam. "se olho para aquele cara, aos poucos, ele vai mudando".

em casa, o cara aparece de novo na sua cabeça, ele contou bem baixinho. de repente, aparecia. como uma visão, aparecia na mente. em realce. se encantou com a movimentação da feira, na rua paralela por onde passava o busão. mudou de caminho, apertou a parada. desceu com a meta de comer alguma coisa e pedir dinheiro entre a elite, freqüente ali.

na feira, andam entre os humildes. fazem caridade e lavam suas almas. tiram um pouco do peso das costas, afinal, estão ajudando um pobre moleque de rua. faz bem pro ego, é como se ganhassem o dia. quando chegam em casa, com a mesa farta e filhos ao redor, já nem se lembram mais do menino carente. que segue seu caminho clandestino. na fé, negô.

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